Congresso da Quarta Internacional: tomar a medida da crise do capitalismo
- Penelope Duggan e Antoine Larrache
- 27 de mar.
- 7 min de leitura
O 18º Congresso Mundial da Quarta Internacional foi realizado na Bélgica no final de fevereiro, sete anos após o anterior. Proporcionou uma oportunidade para uma discussão aprofundada sobre a crise global e multifacetada do capitalismo, em particular sobre o aumento das tensões e do militarismo, e as respostas a serem dadas, com destaque para a adoção de um manifesto ecossocialista.
Na abertura do Congresso, a oradora da direção cessante lembrou que, desde o congresso anterior, em 2018, houve grandes reviravoltas no mundo – Covid, guerras, revoltas, ascensão da extrema direita, aprofundamento da crise ecológica, o que nos confrontou com novos e difíceis desafios. A interrupção forçada de muitas atividades militantes, especialmente no plano internacional, imposta a nós pela pandemia da Covid, tornou a preparação deste congresso particularmente desafiadora, pois o longo processo de discussão e intercâmbio internacional necessário para uma discussão coletiva e multilíngue começou quando ainda só podíamos nos encontrar on-line.
Foram prestadas homenagens a todas/os as/os companheiras/os perdidas/os devido à pandemia, à violência da extrema direita, principalmente nas Filipinas e no Brasil, às guerras, especialmente na Ucrânia, e às/aos companheiras/os forçados ao exílio, principalmente em Hong Kong e na Rússia.
Em particular, o Congresso lembrou-se daquelas/es que estiveram estreitamente associadas/os à direção da Quarta Internacional e que morreram desde 2018: a ex-candidata à presidência e ativista anticolonial Helena Lopes da Silva (Portugal), Tito Prado, líder do Súmate (Peru), Alain Krivine, o mais conhecido quarta-internacionalista da França, Rosario Ibarra, candidata à presidência e ativista de direitos humanos no México, Marijke Colle, ecologista e ativista feminista de destaque em nossas fileiras na Bélgica, Hugo Blanco, uma lenda do movimento camponês andino, Neil Wijethilaka, sindicalista e dirigente no Sri Lanka, Ahlem Belhadj, dirigente feminista de renome nacional na Tunísia e Stálin Pérez Borges, dirigente sindical e político na Venezuela. O Congresso homenageou o notável dirigente da Quarta Internacional e economista marxista Ernest Mandel, que faleceu em 1995, há exatos trinta anos.
Cerca de 150 camaradas – delegadas/os/es, membros da direção cessante, representantes de organizações simpatizantes e observadoras permanentes e convidadas/os – representando 42 países e 60 organizações, reuniram-se para cinco dias e meio de discussões intensas.1 Todos contribuíram para as discussões, proporcionando uma visão ampla da situação mundial.
As/os participantes representavam uma ampla gama de idades: enquanto apenas 8% tinham menos de 30 anos, quase 50% tinham menos de 50 anos; mais da metade era ativista há menos de 20 anos. Isso mostra uma renovação bem-vinda da nossa militância.
Uma campanha militante em torno do Manifesto pela Revolução Ecossocialista
O principal evento desse congresso foi a adoção de um Manifesto pela revolução ecossocialista, que aborda a escala da crise do sistema, as palavras de ordem anticapitalistas a serem usadas para enfrentar essa catástrofe em andamento, e elementos de um projeto para a sociedade. O Manifesto mostra o impasse atual do sistema, já que as guerras e a crise climática colocam o mundo inteiro em uma situação aterrorizante e destrutiva que só pode ser detida por uma revolução que derrube o modo de produção e inicie transições fundamentais em todas as áreas. Em particular, o Manifesto propõe confrontar a espoliação do planeta e dos seres humanos em particular, enfatizando o fato de o 1% mais rico consumir duas vezes mais CO2 do que os 50% mais pobres, o que mostra tanto a extensão da captura da riqueza pelos capitalistas quanto a possibilidade de os seres humanos poderem viver muito melhor consumindo muito menos do que hoje. O Manifesto retoma e atualiza documentos programáticos históricos, como o Manifesto do Partido Comunista e o Programa de Transição. O objetivo é atacar a propriedade privada dos meios de produção, reduzir as horas de trabalho, trabalhar para a realização de todas/os/es, massificar o transporte público gratuito, aplicar direitos fundamentais, como acesso à água, moradia, saúde etc., como parte de um projeto militante voltado para a autoatividade e a auto-organização das classes trabalhadoras.
O Manifesto abrange muitos tópicos, mas houve algum debate sobre o uso ou não do termo “decrescimento”. Foi decidido por uma grande maioria que nosso objetivo é o “decrescimento global no contexto do desenvolvimento combinado e desigual”, o que significa que, em escala global, as emissões de carbono terão de ser drasticamente reduzidas, caso contrário, a vida humana estará em perigo mortal para centenas de milhões de pessoas, especialmente nos países dominados; mas que, nos últimos será necessário continuar a aumentar a capacidade de satisfazer necessidades, seja em termos de infraestrutura ou de vários bens.
Uma campanha militante internacional será desenvolvida em torno deste Manifesto, que queremos divulgar e tornar amplamente conhecido, de modo que possa ser uma ferramenta para as lutas e para o reagrupamento das forças revolucionárias.
Uma situação internacional altamente violenta
O debate sobre a situação internacional nos permitiu abordar, além da crise global do capitalismo, o atual endurecimento das relações de poder globais, que combina um reforço do caráter violento e predatório da dominação imperialista com um aumento das tensões entre as potências imperialistas. Testemunhamos guerras em cerca de trinta países em todo o mundo, o roubo de riquezas, uma guerra travada contra os migrantes, ataques generalizados às classes trabalhadoras. A ascensão da extrema direita, que já chegou ao poder em muitos países, é um dos elementos desse aumento do perigo. A eleição de Trump também mostrou uma aceleração ainda maior da situação, das ameaças às/aos exploradas/os e oprimidas/os. Isso foi discutido em detalhes, assim como foram o genocídio na Palestina e as mobilizações para as quais estamos contribuindo devido a ele, principalmente graças à presença de uma delegada do Grupo Comunista Revolucionário do Líbano.
A presença de companheiras/os da Ucrânia e da Rússia também enriqueceu a discussão sobre a guerra na Ucrânia, que deu origem a posições diferentes. A resolução adotada enfatizou a necessidade de apoiar a resistência armada e desarmada do povo ucraniano diante do ataque imperialista da Rússia de Putin, mas também contra os ataques neoliberais do presidente ucraniano Zelensky, sem confiar nos imperialistas, que estão defendendo seus próprios interesses nessa guerra, como as reviravoltas do governo Trump nos Estados Unidos mostram. Portanto, apoiamos a resistência vinda de baixo e demandamos, por exemplo, o cancelamento da dívida da Ucrânia, como uma das formas de lidar com o ataque russo. A resolução alternativa, que foi rejeitada, via a guerra atual essencialmente como uma guerra entre a OTAN e a Rússia e, embora também defendesse a retirada das tropas russas e o direito dos povos à autodeterminação, recusava-se a ver a luta da Ucrânia e a luta pela libertação nacional como um confronto com a Rússia.
Nenhuma posição campista, ou seja, a defesa da Rússia contra os imperialistas ocidentais, foi defendida no Congresso; por outro lado, o Congresso Internacional decidiu romper relações com Socialist Action, uma organização dos EUA que defende uma posição deste tipo.
Também abordamos nossa posição em relação aos governos de esquerda em todo o mundo (especialmente aos chamados governos “progressistas” na América Latina), para enfatizar tanto que os defendemos contra os ataques das classes dominantes, especialmente da extrema direita, quanto a necessidade de permanecermos independentes deles, especialmente quando traem as esperanças das classes trabalhadoras e suas demandas ao implementarem políticas liberais, como acontece em muitos países.
Desenvolvendo visões comuns
Um importante documento foi adotado com relação à intervenção em movimentos sociais e à orientação que defendemos neles. Consideramos necessário construí-los para ajudar o proletariado – em sua definição ampla – a se constituir como uma classe ativa, por meio da unidade, o que requer tanto a construção dos movimentos como eles são, com suas limitações, aprendendo com eles, quanto a defesa de nossas próprias posições, de forma respeitosa e democrática. Em particular, lutamos contra desvios burocráticos e defendemos a auto-organização, mas também a independência do Estado, uma visão internacionalista, a luta contra a opressão, ao mesmo tempo em que levantamos a questão do poder – de quem manda.
Por fim, o documento sobre a construção da Internacional trata de aspectos concretos da construção da Internacional e de suas organizações. Relembra o objetivo da nossa Internacional, que é “a construção de partidos revolucionários de massa e de uma Internacional revolucionária de massa” e, tendo em vista o estado complexo do mundo e a realidade das situações das organizações do movimento das/os trabalhadoras/es e das intervenções das seções da Internacional, o texto desenvolve propostas que buscam fortalecer nossa coerência política, nossa compreensão do mundo e, portanto, nossa capacidade de trabalhar numa mesma direção, apesar das diferenças entre nossas intervenções. Assim, planejamos fortalecer nossa capacidade de nos reunirmos, nossa capacidade de publicar nossas análises e posições – especialmente na Internet – e de fortalecer nossos institutos de formação política (Amsterdã, Manila, Islamabad). Também observamos que a necessidade de uma organização internacional está sendo sentida devido às dificuldades da situação e às enormes mobilizações que estão ocorrendo regularmente em todo o mundo e nas quais estamos envolvidas/os: na Índia, na Argélia, na Europa, no Brasil, nos Estados Unidos, nas Filipinas, na Ucrânia e em muitos outros países.
O congresso também registrou um fortalecimento substancial da Internacional. No Brasil, isso provocou um debate muito difícil, devido à oposição de vários setores da Internacional à entrada do Movimento da Esquerda Socialista (MES). Continuaremos a trabalhar para superar essa tensão, principalmente em torno do projeto da edição da Inprecor em português do Brasil. Entretanto, registramos o reconhecimento ou a expansão de várias seções, o que representa um aumento de cerca de 27% no número global de militantes: Marabunta e Poder Popular conjuntamente na Argentina, Anticapitalist Resistance e Ecosocialist.Scot formando juntos a seção britânica, MES entrando na seção brasileira, Radical Socialist na Índia, Solidarity nos Estados Unidos e a intenção do NPA-L'Anticapitaliste como um todo de fortalecer a Quarta Internacional na França.
Apesar das dificuldades da situação, podemos, portanto, analisar essa convergência de forças como um sinal das possibilidades de fortalecer o papel dos revolucionários para ajudar a responder à crise do sistema.
17 de março de 2025
Os países representados foram: da África: Argélia, Marrocos, África do Sul; da Ásia: China, Índia, Indonésia, Japão, Paquistão, Caxemira, Filipinas, Sri Lanka; da Europa: Áustria, Bélgica, Grã-Bretanha [Inglaterra/País de Gales e Escócia], Dinamarca, França, Alemanha, Grécia (2 delegações), Irlanda, Itália (2 delegações), Países Baixos, Noruega, Portugal (2 delegações), Rússia, Estado Espanhol, Suécia, Suíça, (2 delegações), Turquia, Ucrânia; da América Latina: Argentina (2 delegações), Brasil (9 delegações), Colômbia, México (4 delegações), Panamá (2 delegações), Paraguai, Peru, Porto Rico, Uruguai, Venezuela; do Oriente Médio: Líbano, e da América do Norte: Canadá e EUA (3 delegações). As organizações de Bangladesh, Antilhas Francesas, Equador e Austrália não puderam comparecer.
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