O PSOL reunirá neste final de semana o seu diretório nacional em meio a uma crise que dividiu a bancada federal, expressando posições fortemente divergentes que coexistem no partido. Na semana anterior, a bancada decidiu, por 8 votos contra 5, demitir David Deccache, assessor para temas econômicos . Sob a liderança dos parlamentares do campo PSOL de Todas as Lutas (PTL), a decisão tomada abriu um debate sobre o método e a cultura política do partido no trato das divergências existentes na bancada e na própria base do PSOL.
Esta demissão revela o autoritarismo que conduz hoje as discussões no partido, pois vem acompanhada de um veto que impede os parlamentares do bloco de oposição exercerem funções de liderança e presidência de comissões. As declarações nas redes sociais de dirigentes do PTL, bloco que hoje é maioria no partido, expressam autoritarismo e imensa dificuldade em lidar com mecanismos como proporcionalidade qualificada nas instâncias partidárias.
A demissão de Deccache é fruto de uma diferença política e programática. Ele foi uma voz dissonante quando muitos economistas do campo progressista, e mesmo parlamentares do PSOL, permaneceram silenciosos frente a algumas medidas da equipe econômica do governo federal. O companheiro denunciou o “austericídio”, que adota o ideário neoliberal na condução das decisões econômicas. Este fato é reconhecido pelo próprio diretório nacional do PT. Deccache tornou explícito em suas avaliações que o arcabouço fiscal é uma continuidade da lógica da Emenda Constitucional 95 (Teto de Gastos) e que o pacote de ajustes de Haddad apresenta severos cortes a benefícios sociais.
Desde o momento da demissão, representantes do PTL têm alegado que problemas de conduta por parte do assessor definiram a decisão de demiti-lo. Até o momento, contudo, nenhuma dessas alegações veio acompanhada de documentos que demonstrem que Deccache tenha desrespeitado membros da bancada ou de sua liderança ao fazer a justa defesa de um programa econômico que não penalize os mais pobres. O motivo da demissão é a política do campo que hoje dirige o PSOL. A crítica que Deccache vocalizada constrange a maioria da bancada, que quer atuar como instrumento de propaganda dos acertos do governo, silenciando sobre os ataques que este também realiza. O máximo que os setores mais governistas do PTL admitem é votar em questões que, por princípio, seriam muito contraditórias, sem realizar a crítica pública e o enfrentamento político.
O pano de fundo deste debate é a posição do PSOL em relação ao governo da frente ampla, liderado por Lula e Alckmin. Embora a resolução aprovada pelo diretório nacional do partido sobre este tema seja ambígua, é evidente que a manutenção dos cargos ocupados por lideranças do PTL no governo está cobrando de suas organizações subordinação e silêncio. O PSOL, de conjunto, não está disposto a levar isso adiante. A falsificação do debate por parte da maioria consiste em acusar os setores que mantém uma linha de independência política de classe de desenvolverem uma oposição sistemática ao governo. Isto não é verdade.
O intuito desta manobra é escamotear o abandono do PTL da crítica ao programa neoliberal e da manutenção da postura independente que fez do PSOL uma referência de combatividade. Eles consideram que qualquer crítica mais contundente ao governo fortalece a extrema-direita. Divergimos desta posição. Para nós, enfrentar o “austericídio” é necessário, antes de tudo, por um compromisso de classe. Nossa avaliação é que o êxito do programa neoliberal tornará o governo mais frágil e suscetível aos ataques da extrema-direita, que surfou na manobra desastrada do PIX e nas dezenas de milhares de benefícios suspensos.
Este é o contexto político em que a demissão de David Deccache ocorre e é também o cenário em que o PTL apresentará no diretório nacional do PSOL uma proposta de revisão do programa partidário. Atualizações programáticas podem ser necessárias se considerarmos as diversas transformações no mundo do trabalho, o desenvolvimento da crise capitalista após 2008, o avanço das lutas feministas e o aprofundamento do caos climático, entre outros elementos. Contudo, não nos enganemos quanto à natureza e as circunstâncias desta proposta. É para prosseguir no rumo da adaptação do PSOL à ordem que o campo majoritário põe este debate na mesa. É mais uma derrota do caráter anticapitalista do partido.
Por todas essas razões, entendemos que é necessário estarmos solidários ao David Deccache e aos deputados(as) que, na bancada federal, sustentam uma linha de independência de classe. Se o partido se posicionou até aqui contra o arcabouço fiscal, os cortes de Haddad e outras medidas regressivas, isso é fruto da luta que é travada por estes companheiros(as) e de uma base partidária que enxerga com preocupação os rumos e os métodos que vem sendo adotados no PSOL. É preciso coesionar esta base no partido e nos movimentos, apostando que a dinâmica das lutas apresente outros horizontes possíveis para além dos limites da Frente Ampla.
تعليقات