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O que está por trás da briga entre Elon Musk e a Justiça brasileira

Atualizado: há 5 dias

Elon Musk não está preocupado com a sua liberdade de expressão. Ele quer dinheiro. Se é para ganhar dinheiro, ele se cala diante da ditadura chinesa e faz bons negócios com ela. Ou investe na Arábia Saudita, monarquia absolutista onde falar mal do rei pode dar pena de morte. Quando o bilionário disse que “princípios valem mais que lucros”, estava mentindo descaradamente.


Essa declaração de Elon Musk foi escrita no X, antigo Twitter, rede social de sua propriedade. Certamente, o algoritmo dessa rede entregou o post com essa declaração para o feed de dezenas de milhões de pessoas, favorecendo o empresário. Um post dizendo que ele mentiu certamente terá a entrega reduzida, indo para o feed de poucas pessoas. Isto faz com que o debate seja desigual. 


“Algoritmo”, “entrega”, feed”, o que quer dizer tudo isso? Quando você abre o seu Instagram, as postagens já aparecem na sua frente para você ficar horas rolando a tela vendo fotos e vídeos. Não foi você que decidiu ver aquilo, as publicações já estavam lá. Mas quem decidiu que você veria aquelas postagens e não outras?  Foi o tal algoritmo, um programa de computador que filtra milhares de conteúdos que poderiam chegar até você, exclui a maioria absoluta e “entrega” apenas algumas dezenas no seu “feed”, que é aquela tela que você fica o dia inteiro rolando. 


É assim também no X, no TikTok e nas outras redes sociais. Elas não são apenas plataformas de publicação de conteúdo. Elas são plataformas de distribuição de conteúdo. E qual é o critério que esses algoritmos usam para “decidir” que você vai ver o post do Elon Musk mentindo descaradamente mas não vai ver o post denunciando a mentira? Pois é, só o Elon Musk e poucos funcionários de sua empresa sabem, isso é segredo. Apesar do segredo, estudos conseguiram desvendar alguns dos critérios desses algoritmos. O Instagram foi acusado de reduzir a relevância de fotos de pessoas negras. O Tik Tok esconde vídeos de pessoas consideradas “feias”. Os algoritmos fortalecem preconceitos, como aponta a professora da Universidade de Columbia Cathy O’Neil em seu livro Weapons of Math Destruction (Armas de Destruição Matemática, na tradução livre).


Você, com seu celular e sua criatividade, não vai conseguir fazer um post no “X” que possa desbancar as mentiras deslavadas de Elon Musk. Porque o “X” não é, nunca foi e nunca será um espaço para a liberdade de expressão. O “X” é um espaço para Elon Musk ganhar dinheiro. 


Mas calma que piora. Sean Parker, um dos fundadores do Facebook,  disse que a rede social foi feita propositalmente para explorar as fragilidades das pessoas. As outras redes do mesmo grupo empresarial, como o Instagram, seguem o mesmo método. Usam mecanismos de vício parecidos com os dos jogos de azar, entre eles o sistema de recompensas intermitentes variáveis. As redes sociais viciam como drogas ou máquinas de caça-níqueis, e isso tem comprovação científica. Vício, manipulação de informação, será mesmo que seu consumo na internet realmente é consciente e livre? Será que as redes sociais não precisam de regulamentação? Não se trata de proibir conteúdo “A” e permitir conteúdo “B”. Mas de discutir como esse conteúdo é distribuído e seus efeitos na saúde mental das pessoas. 


A ditadura dos algoritmos pode ser a pior de todas 


Boa parte dos homens mais ricos do mundo atualmente são os empresários do ramo de tecnologia digital, como Mark Zuckerberg e Jeff Bezos. Nenhum deles chegou ao topo apenas pelos seus méritos. Privilégios, práticas desonestas e exploração de mão de obra fizeram parte de suas jornadas. Elon Musk tem uma história parecida. Nasceu em uma família branca riquíssima na África do Sul, onde o regime de Apartheid tornava a discriminação da população negra uma política oficial até 1994. Musk ficou rico fechando contratos com empresas do governo dos Estados Unidos. Há dois anos, comprou o Twitter, rede social que depois mudou de nome para “X”. 


Esses poucos bilionários controlam os grandes servidores, onde os dados das redes sociais estão armazenados. Sim, seu perfil do Instagram está fisicamente em algum lugar, se você nunca pensou sobre isso. Eles também controlam os computadores que fazem o processamento de dados necessário para que as redes funcionem. Isso tudo custa bilhões de dólares, e ser dono de algo assim só é acessível a alguém absurdamente rico. E essas pessoas absurdamente ricas, de posse dessa estrutura, podem controlar a distribuição de conteúdo pelas redes sociais. 


Em dezembro de 2017, foi aprovado o fim da neutralidade da rede nos Estados Unidos. Isto quer dizer que as empresas de telecomunicação podem decidir cobrar mais pelo acesso de alguns sites e a velocidade de outros será maior. Ou seja, o controle da internet não é algo “virtual”, é físico mesmo. É o velho controle dos meios de produção. Neste caso, dos meios de distribuição de informação. 


E temos outros motivos para preocupação. Hoje, milhões de pessoas trabalham por meio de aplicativos. E esses aplicativos, como Uber e Ifood, usam os mesmos critérios arbitrários e os mesmos mecanismos de vício que o Instagram. Além da diversão, o trabalho também está sendo controlado pela ditadura dos algoritmos. Falta o controle do Estado. 


Quando Elon Musk diz em sua rede social que não vai cumprir ordens da Justiça Brasileira, ele mostra desprezo por nossa soberania. A Justiça exigiu que o “X” apagasse perfis que defenderam a tentativa de golpe de Estado no dia 8 de janeiro de 2023. Foi um pedido razoável e dentro da lei.  


O dono do “X” quer ter o direito de usar sua estrutura de servidores, processamento de dados e algoritmos para impulsionar conteúdos de bolsonaristas que tentaram implantar uma Ditadura Militar no Brasil. E ele faz isso tudo dizendo que defende a “liberdade de expressão”. 


A verdade é que parlamentares de esquerda perderam seguidores e seus posts certamente terão a “entrega” reduzida na rede social de Elon Musk. Enquanto isso, nazistas, pedófilos e negacionistas da vacina têm seus conteúdos impulsionados por uma “entrega” privilegiada. E quem decide essa regra é um bilionário filhote do Apartheid que ninguém elegeu como mediador do debate público. Isso parece democracia para você? Não? Então você também concorda com a regulamentação das redes sociais.


Ademar Lourenço é jornalista e mestrando em psicologia social

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