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Antirracismo ambiental e a atualidade da consciência negra

Atualizado: 1 de abr.


Estamos vivendo dias quentes, preocupantemente quentes. Nossos corpos, nossas peles e nossos organismos estão sentindo, agora e muito concretamente, os efeitos do aquecimento global, na forma de mais uma violenta onda de calor. Nesse contexto, é importante pensarmos o conceito de racismo ambiental, como uma chave conceitual para a que possamos compreender o quanto o caos climático e seu aprofundamento têm efeito ainda mais violento para a negritude e outros povos racializados.No mês da consciência negra, no Brasil de 2023, ainda não podemos afirmar que temos, neste país e neste planeta, uma força social poderosa o suficiente para causar a necessária guinada no modo de produzir atual, de maneira a reverter e minimizar os graves efeitos da emissão de carbono e de outros comportamentos destrutivos do sistema do capital. Muito menos podemos afirmar que temos uma força social negra, antirracista, que seja capaz de enfrentar a tendência inerente a tais efeitos de vitimar majoritariamente esses setores racializados das classes trabalhadoras a nível nacional e global.


Inúmeras tragédias ambientais pelo mundo (e pelo país) evidenciam o caráter desigual e combinado da distribuição dos impactos da ação humana sobre a natureza, se tomarmos como referência de comparação estas mesmas ações. O que isso quer dizer? Que essa ação humana (que é importante ressaltar, é a ação humana no contexto específico do modo de produção capitalista, em seus séculos mais recentes) é deliberada e conduzida por setores da economia global sediados nos países mais ricos, mas os efeitos, os tais impactos, são sentidos majoritariamente pelo sul global, em especial por países que muito pouco emitem de carbono, como é o caso dos países africanos.


Tais desastres, que aumentam em frequência, atingem mais duramente os povos que menos infraestrutura têm pra se proteger, as populações que, por diversos motivos históricos, vivem em condições mais precárias de moradia, saneamento, acesso a políticas públicas e de proteção social, o que amplifica ainda mais os efeitos dos acontecimentos climáticos. Ressalto, mais uma vez, o fato de que tais povos e populações não são os controladores das atividades econômicas que efetivamente determinam o aumento da temperatura do planeta, mas também devo pontuar que as estruturas racistas da sociedade operam na vulnerabilização dessas populações.


Precisamos identificar quem de fato tem poder de mudar (ou de manter) essas atividades destrutivas, até mesmo para que possamos combater a tendência, hoje vigente nos discursos sobre a questão climática, de culpar de modo genérico a humanidade pela situação alarmante que vivemos nesses últimos séculos. Nossa espécie está por aqui já a mais de dois milhões de ano, não faz sentido que sejamos intrinsecamente tão nocivos para o meio ambiente e, no entanto, só tenhamos causado alterações relevantes no clima nesses últimos cento e oitenta anos.


Desse modo, se já havia uma discussão na comunidade científica apontando o impacto da humanidade sobre o clima e outros aspectos do sistema-Terra, sintetizada no conceito de antropoceno, como uma era geológica que substitui o holoceno, e que pode ser notada em um súbito aumento de temperatura, causado pela ação humana, temos um novo termo para essa reflexão. A ideia de que a tragédia climática atual é causada não pela simples ação humana, mas por uma modalidade específica e historicamente localizada desta ação, determinada pelo modo de produção vigente (capitalismo) vai colocar em questão o conceito de antropoceno, apresentando alternativas, como o de capitaloceno.


O objetivo aqui não é defender a substituição de um termo pelo outro (no máximo fazer um convite para que conheçamos este debate terminológico e nos aprofundamos mais seriamente sobre ele), mas principalmente enfatizar o impacto da criação do racismo moderno na construção desta mudança geológica que aqui discutimos. A criação do conceito moderno de raça; a justificação político-econômica da dominação européia sobre outros povos e territórios, como os africanos e americanos; a criação e o desenvolvimento do mercado escravista; e as formas contemporâneas de segregação racial, que se desenvolveram após as abolições da escravidão negra por todo o mundo, todos esses eventos cunharam as condições para a ruptura com o holoceno.Deste modo, é absurdo que a esquerda ecossocialista trate o racismo ambiental como um mero subtópico do debate climático, como uma pauta protocolar para fazer média com os movimentos de negritude ou como um adereço argumentativo de menor/relativa importância. Tratar de racismo ambiental é entender o caráter histórico da gênese do caos climático que hoje vivemos e ao mesmo tempo expor a desigualdade (estruturalmente combinada) da distribuição dos seus efeitos. E a consequência lógica disso deve se dar, organizativamente, em duas direções.


A negritude ecossocialista deve por um lado disputar os rumos do movimento socialista internacional na direção de ações efetivas para uma guinada no modo de produção, afinada com a realidade da natureza e não apenas com projetos de tomada de poder que visem manter e ampliar o produtivismo destrutivo do capitalismo, mas por outro lado, tem a tarefa de levar o movimento negro a se perceber e a se colocar como ator social protagonista na luta ambiental, na busca por ações relevantes e efetivas.


Se já sabíamos que não se combate o racismo sem se combater o capitalismo e vice-versa; se já sabíamos que não se enfrenta o caos climático sem a derrota do capitalismo e vice-versa; agora precisamos chegar à consequência lógica, que é o entendimento de que não há futuro para o povo negro sem combate ao caos climático e que não há futuro para a nossa vida nesse planeta sem o protagonismo da luta antirracista. Precisamos dedicar energias a construir uma força social antirracista ambiental, antirracista ecossocialista, a nível de Brasil e de mundo, com poder para ditar os rumos no lugar da burguesia brasileira e mundial.


Essa é a consciência negra que precisamos tomar e disputar nesses tempos tão quentes e tão sofridos.

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