Entrevistamos Gabriel Augusto para responder quais os principais desafios impostos neste Congresso. O PSOL seguirá uma referência de combatividade ou irá se enquadrar como parte da esquerda da ordem?

Foto: Sérgio Gaspar
Por Ana Carolina Andrade
Após um período duríssimo de enfrentamento ao governo Bolsonaro, retirada de direitos, ampliação da destruição ambiental e de eleições que garantiram a vitória da democracia ao eleger Lula (PT), o PSOL chega ao seu 8º Congresso Nacional. Com quase 20 anos de existência, o PSOL tem o desafio de se construir como uma alternativa radical enquanto enfrenta a extrema direita em um governo com muitas contradições.
Neste Congresso, a Rebelião Ecossocialista constrói uma tese nacional (Agora é Tempo de Ocupar as Ruas) em conjunto com várias organizações que acreditam que o PSOL precisa ser uma ferramenta que fortaleça os enfrentamentos da classe trabalhadora em toda a sua diversidade. Junto de Alicerce, APS, Centelhas, LSR, Revolução Ecossocialista e militantes independentes estamos fazendo uma disputa por um PSOL que enfrente o ecocídio capitalista e a exploração e opressão.
Para entender quais são os principais desafios postos neste Congresso, entrevistamos Gabriel Augusto, que é da Coordenação Nacional da Rebelião Ecossocialista e o membro mais jovem da Executiva Nacional do PSOL. Geógrafo, professor, de Recife (PE) e torcedor do Sport, clube em que é diretor de Diversidade/Inclusão, ele traz os principais pontos que a Rebelião Ecossocialista vê como centrais neste momento. Confira abaixo a entrevista completa:
Pergunta: O PSOL chega neste ano ao seu 8º Congresso Nacional. O partido hoje é muito diferente daquele que foi fundado em 2004. Qual é o papel que o PSOL cumpre hoje na sociedade e como você entende a sua importância?
Resposta: Não dá para analisar o que foram esses quase 20 anos de PSOL desvinculando esta análise do que foram as últimas duas décadas no Brasil. O partido, fundado a partir da expulsão dos petistas que não se renderam à conciliação de classes ao votar contra a reforma da previdência do primeiro governo Lula, atravessou os 4 governos do PT como um partido de oposição de esquerda, confrontou a política golpista de Temer e teve na atuação de sua militância e parlamentares um importante destaque no combate a Bolsonaro e seu governo genocida e ultraliberal. Esta postura combativa fortaleceu a referência de um importante setor da sociedade brasileira no PSOL.
No momento em que chegamos ao 8º Congresso, está em disputa se o nosso partido seguirá sendo uma referência de combatividade, ou se aprofundará a linha que nos últimos anos buscou enquadrar o PSOL como parte da esquerda da ordem. Esta linha, levada adiante pelo bloco PSOL de Todas as Lutas, avançou para um partido excessivamente institucional, sem exercer com liberdade a crítica necessária em relação aos limites do atual governo e perdendo, por isso, a referência que havia construído, de uma esquerda independente e que não renuncia ao socialismo como horizonte estratégico.
Pergunta: Nas plenárias do Congresso muito se tem dito sobre a centralidade do enfrentamento à extrema direita e por isso, se justifica uma suposta ação de Frente Única. Ao que parece, apesar de ser muito debatido na esquerda a questão da unidade de ação e o papel dos socialistas neste contexto, não há uma interpretação única sobre isso. Como a Rebelião Ecossocialista entende essa estratégia? E como vê a atuação do PSOL nela?
Resposta: Primeiramente, para respeitarmos as construções históricas da nossa classe, é preciso não confundir Frente Única com a Frente Amplíssima que se constituiu na campanha de 2022 em torno de Lula e Alckmin. A frente única, tal como foi proposta originalmente, não comporta unidade política, programática, ou participação em governos com setores burgueses. Infelizmente, essa confusão conceitual foi criada para escamotear a adesão de alguns setores da esquerda, e do próprio PSOL, a uma política frenteamplista.
Nós entendemos a frente única como um espaço construído entre organizações da classe trabalhadora onde a atuação da esquerda revolucionária visa disputar no calor das lutas um programa mais avançado. Isso pressupõe, inclusive, manter a postura crítica e de exigências por parte dos setores revolucionários dirigida aos setores reformistas desta frente, e não a renúncia pelos revolucionários desta crítica.
Infelizmente, ao distorcer o sentido original da frente única, o que setores do PSOL têm feito é autorizar a adesão de quadros partidários e organizações internas do partido aos governos com elementos da burguesia. Na prática, é uma validação envergonhada da política de conciliação de classes. Não temos desacordo com a constituição de uma frente única no enfrentamento à extrema-direita e ao fascismo, assim como temos participado de espaços de unidade de ação que colocam os interesses da classe trabalhadora na ordem do dia. Mas não vamos confundir frente única com frente ampla para, distorcendo a primeira, autorizar a participação na segunda.
Pergunta: Derrotamos Bolsonaro nas urnas, mas o bolsonarismo segue vivo. Elegemos Lula por entender que era o único adversário capaz de derrotar Bolsonaro neste momento. Mas como fica a nossa relação com o governo Lula? Como o PSOL tem se posicionado e deve se posicionar?
Resposta: Se quisermos fazer um enfrentamento consequente ao bolsonarismo, que não se esgota com a derrota eleitoral de Bolsonaro, será necessário apostar numa dinâmica de mobilização popular que coloque na agenda do país a revogação de todo o entulho bolsonarista. Contrarreformas como a trabalhista, previdenciária, do novo ensino médio, a autonomia do banco central, significaram pesados ataques aos trabalhadores(as) e não está na pauta do governo revogá-las. O PSOL, que redigiu (através da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco) o REVOGAÇO, e protocolou algumas iniciativas no parlamento, não tem agitado essas bandeiras como deveria.
Nós reivindicamos nesse congresso que o PSOL precisa ter independência em relação ao governo. Nosso lado precisa ser o dos lutadores e lutadoras, mesmo quando isso significar ter uma postura crítica e contundente em relação ao projeto de Lula e Alckmin. Hoje, o PSOL vive uma posição ambígua. Está na base do governo no parlamento, enquanto partido, deliberou que não reivindicaria cargos na composição do executivo federal, mas na prática organizações do campo majoritário estão alojadas nos ministérios. Esta fórmula ambígua compromete nossa independência de classe.
Nos primeiros 6 meses de governo, tivemos exemplos de como esta independência é fundamental. O PSOL rejeitou acompanhar o governo no apoio a Arthur Lira, e também votou contrário ao arcabouço fiscal, um novo teto de gastos para substituir a EC-95 sem romper com seus fundamentos. Por outro lado, a maioria da bancada votou favoravelmente a uma reforma tributária que não alterou a regressividade dos impostos e criou novos mecanismos de isenção para corporações fundamentalistas, agronegócio e megamineração. Uma reforma apoiada por Fiesp, Febraban e Cia. Nosso lugar não é ao lado desses setores, por isso foi correta a posição do companheiro Glauber Braga e das companheiras Sâmia Bomfim e Fernanda Melchionna de não votar a favor dessa reforma.
Pergunta: Enfrentar a extrema direita é urgente, mas enfrentar a catástrofe climática é a chave para a garantia de um futuro. Onde fica a urgência do ecossocialismo nas discussões do PSOL e do Congresso?
Resposta: Este é um tema fundamental para ser debatido no congresso do PSOL. O fato de a resolução do setorial ecossocialista ter sido objeto de contestação pelo setor majoritário do partido é muito sintomático de até onde vai o compromisso deste campo com a defesa de um programa ecossocialista para o Brasil. Há que se refletir que os setores que mais turbinaram economicamente a extrema direita e o bolsonarismo são justamente os que mais avançam sobre as florestas, os povos e seus territórios. O agronegócio, as madeireiras, o garimpo, são sustentáculos econômicos do bolsonarismo e garantiram a estrutura para os acampamentos que resultaram na tentativa de golpe em 8 de janeiro. Portanto, não existe enfrentamento pra valer da extrema direita sem confrontar esses setores.
Esta é uma das questões que mais nos põe em contradição com a política de conciliação do atual governo federal. Vimos o que aconteceu com os ministérios do meio ambiente e dos povos indígenas, foram completamente desfigurados pelo centrão. Os acordos do governo com Lira e cia fizeram aceitar tudo isso sem luta. Na votação da urgência do marco temporal, vimos uma vergonhosa liberação da bancada do governo, e a aprovação da matéria é um sinal claríssimo de que a disposição dos ecocidas não é de conciliação, mas de extermínio.
Enquanto isso, avança no Ceará um projeto criminoso de exploração de urânio. Na foz do Rio Amazonas, a Petrobras propõe a exploração de petróleo. É anunciado o maior financiamento público ao agronegócio da história. Sem falar no projeto que estimula a indústria automobilística, ao invés de se pautar por uma transição energética e descarbonização da economia brasileira. Bolsonaro liberou mais de 2 mil agrotóxicos e não há sinal de que o governo vai rever isso. Nenhuma dessas ações e omissões combina com a urgência que a crise climática nos impõe.
O PSOL deveria ser um porta-voz de todas essas lutas, mas só estará à altura desta tarefa se abandonar a linha de adesão acrítica e compreender que temos pouco tempo para enfrentar o colapso em curso. É incompatível a reivindicação de um programa ecossocialista com subordinação aos ritmos e pactos do governo. Todas as companheiras(os) que reivindicam este horizonte estratégico deveriam examinar se o curso que o PSOL está seguindo é consequente com a urgência da transição ecossocialista.
Pergunta: Há algumas posições postas em disputa neste Congresso, e uma delas pode levar ao fim da independência do PSOL frente ao governo Lula. Qual a consequência disso?
Resposta: O debate que fizemos no diretório nacional do PSOL em dezembro de 2022 segue sendo muito atual. Naquele diretório, o campo PSOL Popular (Primavera e Revolução Solidária) revelou que a sua política era de entrada no governo da frente amplíssima, rompendo com o princípio da independência de classe. Naquele momento, porque não tinham maioria para aprovar a posição, cederam para um texto ambíguo que na prática está autorizando uma entrada envergonhada no governo. Estivemos entre os setores que defenderam que a posição do PSOL precisava ser mais nítida, para não gerar confusão na militância e autorizar todo tipo de relação com o governo. Na prática, é o que está acontecendo.
No congresso nacional, essa discussão certamente voltará à tona. Desejamos construir o maior espaço de unidade possível com os companheiros e companheiras que seguem defendendo a independência de classe como um princípio político e organizativo para o PSOL.
Além disso, precisamos debater outros problemas internos que comprometem esta independência política: a frente ampla que está sendo proposta por Boulos em São Paulo; a federação com a Rede Sustentabilidade; os graves problemas políticos da administração do PSOL em Belém e suas relações com os Barbalho (MDB); a fragilização de nossa democracia interna, onde o próprio formato do congresso se tornou mais restritivo para a militância e permissivo para as filiações em massa e métodos burocráticos. A tese nacional que construímos com diversas organizações e camaradas independentes (Agora é Tempo de Ocupar as Ruas) é um espaço para aglutinar a militância que está preocupada com todas essas questões, mas com disposição de lutar para manter o PSOL como instrumento à serviço da luta dos trabalhadores(as) pelo socialismo.
*Ana Carolina Andrade é jornalista, militante feminista e da Coordenação Nacional da Rebelião Ecossocialista
Comentarios