O que pensamos sobre a atualização do programa do PSOL
- Coordenação Nacional da Rebelião Ecossocialista
- 14 de mai.
- 5 min de leitura
A direção nacional do PSOL aprovou a realização de um ciclo de debates para a atualização programática do partido. Esta é uma iniciativa positiva, já que o nosso programa é o mesmo há 21 anos e precisa de atualizações. Ainda que seja um bom processo, temos algumas preocupações em relação à manutenção de nossos princípios.
É preciso fazer um resgate histórico
O PSOL foi fundado no dia 6 de junho de 2004 em Brasília. Ali foi aprovado o nome e o programa do partido. Ele se formou a partir de correntes do PT que foram expulsas após apoiarem uma greve de servidores públicos contra uma reforma da previdência de iniciativa do primeiro governo Lula. Correntes de outras origens também fizeram parte do processo. Temos orgulho dessa história de recusa à adaptação e luta contra os ataques à classe trabalhadora. Precisamos resgatar este legado para fazer o debate programático.
Centenas de militantes foram às ruas colher as 500 mil assinaturas necessárias para a legalização do partido. Foi uma jornada heroica que custou muita saliva e sola de sapato. Conquistamos nosso registro formal com base na militância voluntária, por meio do esforço de quem acreditava no projeto.
Se muito vale o já feito, mais vale o que será. A atualização programática é necessária e é um acerto que a discussão seja feita. O programa aprovado há 21 anos traz pontos que não fazem sentido hoje em dia. Por exemplo, a oposição à ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), um projeto de bloco econômico que não existe mais.
O que é importante mudar
É necessário incluir no nosso programa o acúmulo construído nos últimos anos sobre a perspectiva ecossocialista e a necessidade do nosso país fazer a transição climática, bem como de enfrentar os outros aspectos da crise ecológica. Diante da catástrofe em andamento, esta é a luta mais urgente do nosso tempo, para a garantia do presente e do futuro.
Como diz acertadamente o Manifesto Ecossocialista, aprovado em fevereiro deste ano pela IV Internacional, “o relacionamento com nosso planeta, a superação da ´ruptura metabólica´ (Marx) entre as sociedades humanas e seu ambiente de vida, e o respeito pelo equilíbrio ecológico do planeta não são apenas capítulos de nosso programa e estratégia, mas seu fio condutor”.
As últimas décadas foram de intensas lutas e conquistas das mulheres, do movimento negro e das LGBTQIA+. É preciso atualizar o nosso programa para que ele esteja à altura da centralidade que estes sujeitos e lutas ocupam na perspectiva revolucionária hoje. Além disso, o programa de 2004 não fala uma linha sequer sobre o anticapacitismo. Isso tem que ser mudado.
A defesa dos direitos dos trabalhadores não pode recuar um centímetro!
O mundo do trabalho mudou muito e a precarização cresceu. As contrarreformas e ataques à classe trabalhadora se intensificaram no Brasil e no mundo. É necessário dialogar e pensar na nossa atuação. Em especial neste contexto em que as ferramentas de luta e organização estão cada vez mais fragmentadas.
Mas nos preocupa, por exemplo, um post no perfil do PSOL do Instagram em que o termo “empreendedor” é usado para definir os trabalhadores que são explorados por aplicativos como Uber e Ifood. Não se trata de uma discussão idealista por palavras. O discurso do “empreendedorismo” é usado pelas empresas e pela direita para defender o que eles entendem como “flexibilização trabalhista”, que é um nome bonito para perdas de direitos.
Não podemos recuar na defesa dos direitos trabalhistas duramente conquistados à custa de muitas greves e mobilizações. A garantia do que já está estabelecido em lei deve estar no nosso programa. Modernizar as relações de trabalho é ampliar direitos. Por isso é muito bem-vinda a luta contra a escala 6x1. Mas nenhuma mudança tecnológica pode justificar a precarização.
Devemos manter os fundamentos de um partido socialista
Se é preciso atualizar o programa para as lutas e urgências do nosso tempo, há questões que devem ser princípios para quem defende o socialismo e a liberdade. Por exemplo, no item 3 da parte I do atual programa está escrito:
“Nossa base programática não pode deixar de se pautar num princípio: o resgate da independência política dos trabalhadores e excluídos. Não estamos formando um novo partido para estimular a conciliação de classes. Nossas alianças para construir um projeto alternativo têm que ser as que busquem soldar a unidade entre todos os setores do povo trabalhador – todos os trabalhadores, os que estão desempregados, com os movimentos populares, com os trabalhadores do campo, sem-terra, pequenos agricultores, com as classes médias urbanas, nas profissões liberais, na academia, nos setores formadores de opinião, cada vez mais dilapidadas pelo capital financeiro, como vimos recentemente no caso argentino. São estas alianças que vão permitir a construção da auto-organização independente e do poder alternativo popular, para além dos limites da ordem capitalista. Por isso, nosso partido rejeita os governos comuns com a classe dominante”.
Para nós, essa parte é irretocável. A história nos ensinou que a aliança permanente com uma “burguesia progressista” nos leva a derrotas. Junto com isso, nosso programa econômico deve continuar defendendo a proposta de ruptura com os interesses dos banqueiros e grandes empresários.
A defesa da auditoria da dívida pública está no atual programa e deve ser mantida. O problema não só é atual como é até maior em 2025 do que era em 2004. Para pagar uma dívida pública que nunca passou por uma auditoria, Fernando Haddad articulou a aprovação de um arcabouço fiscal que limita o aumento do salário mínimo.
Também está no atual programa a reestatização das empresas privatizadas. Isso também é mais atual em 2025 do que era em 2004. As privatizações no Brasil aumentaram e trazem inúmeros problemas para a vida da população brasileira. Em vários países, empresas que foram vendidas para o capital privado voltaram a ser públicas. Infelizmente, o Brasil ainda não passou por esse processo.
Outro elemento do programa de 2004 que é bastante atual é o item 7 da parte III, onde está escrito:
“Temos a necessidade também de uma profunda reforma tributária, que inverta a atual lógica que faz os impostos pesarem fundamentalmente sobre o trabalho e o consumo, e não sobre a riqueza e a propriedade, fazendo com que quem ganha menos pague proporcionalmente muito mais imposto do que quem ganha mais.
Defendemos a taxação das grandes fortunas, pesados impostos sobre os mais ricos e alívio da carga tributária sobre a classe média e os pobres. Abaixo as privatizações. Estatização das empresas privatizadas. Expropriação dos grandes grupos monopólicos capitalistas.”
Nos últimos 21 anos, nenhuma contrarreforma foi revertida e outras foram feitas. Em 2017, Michel Temer articulou a “reforma trabalhista”, que retirou direitos. Em 2019, Bolsonaro promoveu uma “reforma da previdência” que aumentou a idade da aposentadoria. É dever do PSOL defender o fim dessa agenda. E também defender reformas que promovam a distribuição de renda, como o Imposto sobre Grandes Fortunas o aumento da taxação sobre heranças.
Atualizar o programa, mas preservar os princípios
O programa é a alma do partido. Temos que fazer esse debate de forma democrática e aprofundada, pois isso vai afetar a nossa trajetória militante pelos próximos anos. O debate tem que acontecer para além da simples disputa entre correntes.
Defendemos uma atualização programática que faça o PSOL responder aos desafios do Século XXI e dialogar com a juventude. Por isto, o partido precisa ser ecossocialista e lutar contra todas as formas de opressão. Mas os princípios que há 21 anos inspiraram a nossa fundação devem ser mantidos. O PSOL deve ser anticapitalista, independente da classe dominante e voltado para as lutas dos trabalhadores. Isso era essencial em 2004. Segue sendo essencial hoje.
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