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Ademar Lourenço

Pablo Marçal, Jogo do Tigrinho e o Capitalismo Tardio


Pablo Marçal tem chances reais de ser o próximo prefeito de São Paulo. Ele herdou os votos dos bolsonaristas que não se animaram com Ricardo Nunes e tem grandes chances de ir para o segundo turno. São Paulo é uma cidade com fortes tendências à direita desde os atos na Avenida Paulista pelo impeachment de Dilma Rousseff em 2015. A cidade elegeu João Dória para a prefeitura em 2016, Bruno Covas em 2020 e a rejeição à esquerda pode levar Marçal ao comando da capital paulista em 2024.


O coach pilantra não é dono de uma indústria, não ficou rico a partir da posse de terras e não desenvolveu uma nova tecnologia. Mas ganha dinheiro em cima de um dos principais ativos econômicos dos tempos atuais: a ilusão.


Esse fenômeno foi previsto a partir dos estudos do economista Ernest Mandel na obra “O Capitalismo Tardio”. Quando um empresário investe dinheiro, ele precisa ganhar uma taxa de lucros em cima desse investimento inicial. Em nível mundial, o volume de capital precisa aumentar infinitamente para garantir esse rendimento. Mas o mundo real não funciona dessa forma. Os recursos naturais são limitados, por exemplo. Além disso, os salários são cada vez mais achatados, o que prejudica o consumo. Sem recursos naturais e sem expansão do consumo, como o sistema se salva?


Uma das saídas é a criação de produtos sem utilidade prática, mas que podem ser lucrativos. Um exemplo são as imagens em NFTs. Em resumo, são figuras gravadas em um arquivo com criptografia, que tornaria a obra “única”. O “hype” em cima das NFTs fez um meme com a cara de um macaco valer mais de 1 milhão de dólares. Existem sandices piores, como a marca Supreme, que fez um tijolo valer mais de mil reais em função da “exclusividade” do produto.


Outro exemplo é o sucesso dos sites de apostas digitais, como as “bets” esportivas e o famigerado “Jogo do Tigrinho”. Essas empresas não produzem nada além da ilusão do dinheiro fácil e a manipulação do sistema de recompensa do cérebro. Mas já movimenta 1% do PIB brasileiro.  


Os “produtos” de Pablo Marçal seguem uma lógica parecida. Ele ficou rico vendendo cursos de como ficar rico. O “conteúdo pedagógico” é uma mistura de pseudociência, autoajuda chinfrim, crença na meritocracia e teologia da prosperidade. Não existe notícia de alguém que tenha aumentado de patrimônio da mesma forma que o “professor”. Mas alguns “alunos” conseguiram ganhar dinheiro vendendo cursos de como ganhar dinheiro.


As ilusões vendidas têm consequências na vida prática. Um jovem de 26 anos que seguia as dias do “coach”  morreu depois de correr uma “maratona surpresa” sem ter preparo físico. O objetivo era ele “instalar o drive do sucesso na mente”, mas o que aconteceu foi um infarto. Em outra ocasião, Pablo Marçal organizou uma escalada em uma montanha com 32 pessoas em dia de temporal. Os bombeiros tiveram que resgatar o grupo.


No caso do “Jogo do Tigrinho” e das “bets”, já há relatos de pessoas perdendo todos os seus bens e até cometendo suicídio depois de não conseguir controlar o vício. A epimedia dos sites de apostas já é um dos grandes problemas de saúde pública no Brasil. 


Pablo Marçal é uma expressão política do Capitalismo Tardio. Ele quer convencer os eleitores que São Paulo vai ter ganhos rápidos e fáceis. Para isto basta “mudar o mindset” e acreditar em propostas mirabolantes, como a construção de um prédio de um quilômetro de altura. Seu discurso político segue a lógica dos seus cursos. Ou das promessas de ganho financeiro do “Jogo do Tigrinho”. Por isso dá tão certo nos tempos atuais.


Combater o fascismo e combater a burguesia são duas tarefas indissociáveis. A violência fascista é fruto da desigualdade social e da precarização da vida. A popularidade do discurso de “coach” vem dos produtos ilusórios do Capitalismo Tardio. Enquanto esse sistema controlar o mundo, sempre vai existir um Bolsonaro ou um Pablo Marçal.

 

Pablo Marçal é o novo Bolsonaro?


O histórico de condenação criminal de Pablo Marçal não o afasta dos eleitores da extrema-direita. Sob alguns aspectos, ele é até melhor que Bolsonaro para esse público. O ex-presidente é velho, católico e vomita boçalidades do tipo “vamos fuzilar a petralhada”. Já Marçal é jovem, evangélico e mais cuidadoso em suas falas.


Além disso, o goiano de 37 anos se atualizou nas estratégias digitais. Se Bolsonaro cresceu por meio dos grupos de whatsapp, o “coach” organizou um esquema de “cortes” em sua comunidade do Discord. Donos de pequenos canais que fazem vídeos com as melhores declarações de Pablo Marçal concorrem a prêmios. Em qualquer entrevista ou debate, o candidato a prefeito já se comporta em função do que pode se tornar um desses “cortes”, que depois inundam as redes sociais.


Não é a primeira vez que alguém disputa a liderança da extrema-direita com Bolsonaro. Sérgio Moro e a turma do Movimento Brasil Livre (MBL) já tentaram fazer isso. Mas o “traidor” sempre tinha a reputação assassinada por meio de ofensas e acusações de influenciadores digitais fiéis ao ex-capitão do exército. Pablo Marçal conseguiu ultrapassar esse obstáculo. No início da campanha, os bolsonaristas desferiram vários ataques contra ele, mas, pela primeira vez, tiveram que recuar.


Isso acontece, em parte, porque Bolsonaro não tem a força de antes. A tentativa de golpe do 8 de janeiro de 2023 falhou e o ex-presidente está inelegível. No entanto, desde 2015, existe um movimento de extrema-direita com forte engajamento no Brasil. Ele reúne saudosistas da Ditadura Militar, monarquistas, fundamentalistas religiosos, defensores da violência policial, nazistas assumidos, “incels” e lixo humano de todo o tipo. Bolsonaro foi a primeira grande liderança desse movimento. Mas se o velho capitão anda cansado, os neofascistas podem recuperar seus ânimos com Pablo Marçal.

 

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