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Bruno Nascimento

(também) Ainda estamos aqui

Em plena semana do dia da consciência negra, o tema da ditadura empresarial-militar que assolou o Brasil por 21 anos, e seus saudosistas, não poderia estar mais em alta.


Do filme de Walter Salles e Fernanda Torres, passando pelo atentado do “kamiquase” e chegando ao planejamento de militares para o assassinato do presidente, vice e de um dos ministros do STF. A ditadura e a violência dos fascistas, mais uma vez (ou ainda) está em muita evidência. Mas, o que isso tem a ver com a questão racial? Alguns desavisados poderiam perguntar.


Essa pergunta remete diretamente à ignorância de alguns, que dizem que a ditadura foi muitas coisas, mas não foi racista. “Até foi a Constituição de 1967 a primeira a repudiar o racismo”, dizem.


Outros, também ignorantes, vão dizer que a ditadura foi assunto dos brancos. Afinal, os retratos dos palácios estampam uma sequência de velhos homens brancos e as vítimas e perseguidos que viraram filmes foram, também, os brancos. Mas é ignorância pensar dessa forma. A ditadura foi, e muito, racista.


Foi a ditadura que assentou definitivamente a democracia racial como mito imperante no Brasil. Com os parágrafos 1º e 8º do artigo 150 da Constituição de 1967, a ditadura “acabou” com o racismo. "Não há mais racismo no Brasil e quem insistir em falar que há será punido", esse era o lema.


E fomos punidos. Todas as vezes que nos rebelamos e gritamos ao mundo que o racismo estava plenamente vivo entre nós, fomos punidos.


O movimento negro foi perseguido como subversivo à ordem e figuras como Abdias do Nascimento foram obrigadas ao “auto-exílio”.  Alberto Guerreiro Ramos, deputado e intelectual negro, teve destino semelhante.


O Black Rio, movimento de contracultura e valorização da negritude, foi ostensivamente perseguido e acusado de "criar no Brasil um clima de luta racial". Como se tivessem, por exemplo, escravizado um povo por 300 anos.


Os bailes eram alvo de espionagem constante e, nas ruas, a violência policial sabia muito bem encontrar a pele alvo. O “criminoso em potencial” que fosse encontrado por 3 vezes sem documentos era preso.


A ditadura vendeu ao mundo a imagem do paraíso racial. Mito construído com muita violência distribuída a nós negros e um imenso silenciamento imposto. Para haver democracia racial, precisaram calar a boca de muita neguinha insolente que ousava falar que existia racismo neste paraíso.


A Comissão da Verdade aponta que 434 pessoas foram desaparecidas ou mortas pela ditadura. Mas o que esse número não mostra, nem contabiliza, são os extensos extermínios promovidos pela polícia para “pacificar” as periferias das cidades. Essa violência não é tida como violência ditatorial, ela é apenas “violência comum”. Porque nada mais comum que preto morrendo na favela pelas mãos da polícia.


Essa violência, de tão comum, segue acontecendo. Segue tutelada pelo Estado, agora democrático de direito. Uma violência tão comum que é operada pela polícia militar. Com uma lógica que reproduz a estrutura ditatorial construída pelo antigo regime.


Ulysses Guimarães anunciou seu ódio e nojo à ditadura. Mas o Estado brasileiro não agiu de acordo com esse sentimento. Ao menos não por completo.

O Estado manteve a militarização da polícia e a existência abjeta da Justiça Militar, que constantemente pauta a isenção de responsabilidade de seus iguais. Nossos algozes foram anistiados e exaltados em pleno Congresso, homenageados como inspiração de um novo golpe.


Mas nós resistimos e continuamos a resistir. Quando perseguiram nossa cultura, o samba resistiu. E seus filhos, o rap e o funk, nasceram com o mesmo espírito.

Quando a ditadura disse que não havia mais racismo e, mesmo setores da esquerda, disseram que raça e gênero dividiam a classe, Marighella pegou em armas e Lélia se tornou uma intelectual brilhante, fundando do Movimento Negro Unificado (MNU).


Temos resistido.


Hoje, dia da consciência negra, precisamos nos lembrar do que nos faz negros e negras: nossa história. Nossos passos vêm de longe, muitos deles banhados em sangue.


Para uma completa consciência de nossa negritude, precisamos lembrar das lutas que já travamos e nos armarmos para as que ainda virão.


Os palácios seguem ocupados por homens brancos e outros deles, muito piores, estão ativamente construindo o retorno da ditadura que nos perseguiu, torturou e matou.


Mas resistimos.


Também estamos aqui.


Bruno Nascimento - Militante da Rebelião Ecossocialista

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