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60 anos do golpe e seis anos sem Marielle: construir a memória para disputar o futuro

Especialmente em tempos difíceis, cada vitória nossa deve ser comemorada. Assim, ao amanhecer do último dia 24 de março tomamos ciência, via imprensa, da prisão preventiva de três pessoas, a saber, Chiquinho Brazão (atual deputado federal pelo Rio de Janeiro), Domingos Brazão (conselheiro do Tribunal de Contas/RJ) e de Rivaldo Barboza, ex-chefe da Polícia Civil/RJ, acusados de serem os mandantes dos assassinatos de Marielle Franco e de Anderson Gomes, na noite de 14 de março de 2018. O relatório de 479 páginas produzido pela Polícia Federal embasou a decisão de ordem de prisão expedida pelo ministro Alexandre de Moraes (STF). 


O anúncio dos novos elementos envolvendo esse caso tem suscitado algumas análises de  diversos setores organizados no Brasil. Queremos, pois, ajudar nesta reflexão coletiva pontuando algumas questões. Primeiramente, a luta em torno das memórias de Marielle e Anderson, organizada pelas famílias dos assassinados e pelo conjunto dos setores progressistas no Brasil (incluindo nisso as várias ações realizadas pelo PSOL) ao longo desses seis anos foi o elemento crucial que nos levou à condição para a elucidação dos mandantes desse crime político. Vimos que os mecanismos institucionais do Estado do Rio de Janeiro foram recorrentemente utilizados para dificultar as investigações do caso, seja alterando e/ou eliminando provas e possíveis testemunhas, o que sugere o profundo nível de organização dos setores milicianos, os quais atuam fortemente dentro das estruturas estatais. Sem a luta do campo progressista provavelmente não teríamos mobilizado esforços institucionais suficientes para a construção de uma investigação limpa. Nesse quesito, vale salientar que há uma relação muito importante entre o trabalho realizado pela Polícia Federal neste caso e a vitória eleitoral do campo progressista nas eleições presidenciais de 2022, ao elegermos Lula. Com toda certeza, temos muitos elementos que nos levam a crer que, caso Bolsonaro tivesse sido reeleito, não chegaríamos a este patamar das investigações sobre o caso. 


Uma segunda dimensão de análise deve levar em consideração os riscos de segurança interna às organizações políticas do campo da esquerda brasileira. A infiltração do miliciano Laerte Silva de Lima no PSOL, em 2017, para aglutinar informações sobre a rotina de Marielle é prova de que nossas organizações políticas correm um sério risco de segurança. O pouco critério no sistema de filiação ao PSOL é um fator que nos fragiliza e nos deixa expostos ao ataque da extrema direita, que já leu que esse método de infiltração dentro do nosso partido pode ser uma via possível para nos atingir. Esta reflexão suscita uma dúvida: em nossas fileiras do PSOL, qual a probabilidade de existência de novos infiltrados da extrema direita para monitorar nossas ações e repassar informações para os nossos algozes? 


Uma terceira observação que devemos fazer é que os assassinatos de Marielle e Anderson foram cometidos em nome da extrema direita. Os irmãos Brazão não são coadjuvantes no cenário político do Rio de Janeiro. Pelo contrário, o pedido de vistas, na Câmara Federal, da cassação do deputado Chiquinho Brazão é a prova das profundas articulações viscerais que os Brazão mantêm com as estruturas de poder na república brasileira, com aliados políticos do porte de Eduardo Cunha, Cláudio Castro e a família Bolsonaro. O rol de ação desse grupo é extenso - incluindo esquema de jogo do bicho, de especulação imobiliária, de queima de arquivos, assassinatos de testemunhas e desafetos políticos, etc. -  e configura uma verdadeira organização criminosa. Ainda que a família Bolsonaro não seja arrolada nas investigações como envolvidos diretamente no caso Marielle/Anderson, essas mortes são fruto da política bolsonarista. 


A extrema direita, como de costume, utiliza-se dos métodos de violência política para silenciar seus adversários. E não é de hoje. Não é uma particularidade do bolsonarismo. Se regredimos algumas décadas na história brasileira, é possível visualizar que o Estado brasileiro foi comumente utilizado para prender, torturar e matar a militância socialista/comunista. Os exemplos são muitos na história do século XX neste país, especialmente em dois grandes períodos: Estado Novo (1937-1945) e Ditadura Civil-Militar (1964-1985). Sobre este segundo, inclusive, pela lembrança dos 60 anos do golpe de 1964, cabe destacar que é tarefa dos setores democráticos a atenção para as recorrentes tentativas do bolsonarismo de estabelecer um revisionismo pró-golpismo acerca dos fatos ocorridos a partir de abril de 1964. Infelizmente, a orientação de Lula para ignorar os 60 anos do golpe não ajuda na luta antifascista. Não venceremos a extrema direita, no Brasil e no mundo, evitando falar sobre seus crimes. 


Em contrapartida, sobre a ditadura civil-militar, precisamos ampliar o debate nas escolas, no nosso partido, nos instrumentos de comunicação, analisando e denunciando as ações dos militares, interligando com o apoio central dado pelo imperialismo norteamericano, tão bem expresso nas articulações promovidas pela Operação Condor. Como bem lembra Benjamin, os nossos “mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer”. Esta frase, presente nas Teses sobre o conceito de História, expressa nosso compromisso com as memórias de Marielle e Anderson, bem como com a de todos os mortos e desaparecidos na ditadura civil-militar, como o grande Frei Tito de Alencar Lima, dominicano cearense, preso, torturado e morto pelo regime.


Memória, verdade e justiça são palavras que ecoam na história de luta dos trabalhadores(as) do Brasil. Ao disputar nos últimos anos, nas ruas e em atos oficiais, o significado do golpe de 1964, a extrema-direita fazia mais do que uma recordação do terror imposto aos lutadores e lutadoras do povo. Nessa disputa, projetou para o futuro o seu desejo de avançar contra as nossas vidas e formas de organização.


O basta que precisamos dar ao projeto de morte da extrema direita não virá se nos ausentarmos da luta pela memória, verdade e justiça. Este se tornou um terreno fundamental da luta política. O grito “sem anistia”, entoado no dia 01 de janeiro de 2023, teve grande relevância por este motivo. Trouxe consigo um balanço dos limites da pactuação por cima na transição “lenta, segura e gradual” para o fim da ditadura, ao mesmo tempo em que cobrou do estado brasileiro não esquecer os crimes do tempo presente. Violações praticadas por Bolsonsaro, pelos bolsonaristas e por agentes do estado que seguem usando a morte como recurso para o controle dos territórios periféricos, atingindo sobretudo a população pobre e negra.


Por isso, recordamos no dia 01 de abril de 2024 que a violência das ditaduras sempre veio ao socorro do Capital, de seus operadores e suas operações. Mas que o exílio, a tortura e os assassinatos não foram capazes de aniquilar o projeto de futuro do qual somos porta-vozes. Uma sociedade livre da exploração e da opressão, comunista sem medo de dizê-lo, permanece viva nos sonhos dos que ainda hoje lutam.


Construir este outro futuro depende de não renunciarmos à memória dos que lutaram antes de nós. Este é o sentido da esquerda dizer PRESENTE ao ouvir o nome de seus mártires. Projetamos para o futuro os sonhos que as balas não foram capazes de interromper. Contudo, não queremos ver esses sonhos aprisionados em um futuro que nunca chega, como se fossem mensagens sem esperança de realização. Temos urgência em torná-los realidade. Temos passos a dar na direção desejada. O convite que fazemos é para não deixarmos de caminhar, e para fazê-lo em coletivo.


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